Na década de 70, criança que era, morava em uma vila de casas no bairro de Botafogo, na São Clemente, em frente a Casa de Rui Barbosa. Ah ! Aqueles jardins. Conhecia todos aqueles laguinhos... árvores enormes. Os carros de Rui. Linda casa. Sua biblioteca. Tudo conhecia. Aquele cheirinho de livros antigos até hoje não esqueço. Engraçado como o sentido do olfato nos faz lembrar tantas e tantas cenas. É como um "déjà vu". Em todo caso, era um ótimo lugar para uma criança da minha idade brincar horas a fio.
Mas tinha minha turminha, que eram meus vizinhos, lá da vila. Brincávamos após a chegada do colégio. E uma das minhas amigas, morava ao lado de minha casa e sua casa era muito diferente da minha. Percebi isso logo quando entrei pela primeira vez. Lá parecia que tudo era de improviso, mas não era qualquer improviso. Não. Não. A estante era de tijolos envernizados. Tábuas cuidadosamente envernizadas. Com pedrinhas de todas as cores espalhadas. O sofá ? Não tinha sofá, como nas casas de meus amigos e mesmo minha. Pensava, "será que o pai dela não tem dinheiro para comprar um sofá?". Eram almofadas dispostas de maneira uniforme e simétrica, como na estante. E o cheiro ? Incenso no ar. Hoje sei. Mas foi a primeira vez que senti aquele aroma de alfazema. Lá pelas tantas, após brincarmos, pedi um copo de água para minha amiga. Fomos até a cozinha. Abriu a geladeira e vi. Existiam muitas frutas... e soja. Perguntei, "O que é isso ?". Ela disse, "É soja, um tipo de carne". Pensei, "Estranho, nunca vi ninguém comendo isso. Será que o pai dela não tem dinheiro para comprar carne? Tadinhos, eles devem ser pobres." Cheguei a ficar com pena. Conclusão de uma criança somente, mas muito observadora, por sinal. E meus amigos todos comiam carne. Como podia ? Foi quando vi seu pai. Olhei um pouco desconfiada, mas achei-o tão diferente, e bonito. Era maestro. Mas, como a estante, o sofá e a soja, era em tudo diferente dos pais de meus amigos. Ele tinha cabelos compridos. Barba longa. E sua blusa era uma espécie de bata. Achei estranho, mas contive-me, e não fiz perguntas inconvenientes sobre o pai para minha amiga. Por que ele era assim ou assado. Era criança, mas não tapada.
Mas tinha minha turminha, que eram meus vizinhos, lá da vila. Brincávamos após a chegada do colégio. E uma das minhas amigas, morava ao lado de minha casa e sua casa era muito diferente da minha. Percebi isso logo quando entrei pela primeira vez. Lá parecia que tudo era de improviso, mas não era qualquer improviso. Não. Não. A estante era de tijolos envernizados. Tábuas cuidadosamente envernizadas. Com pedrinhas de todas as cores espalhadas. O sofá ? Não tinha sofá, como nas casas de meus amigos e mesmo minha. Pensava, "será que o pai dela não tem dinheiro para comprar um sofá?". Eram almofadas dispostas de maneira uniforme e simétrica, como na estante. E o cheiro ? Incenso no ar. Hoje sei. Mas foi a primeira vez que senti aquele aroma de alfazema. Lá pelas tantas, após brincarmos, pedi um copo de água para minha amiga. Fomos até a cozinha. Abriu a geladeira e vi. Existiam muitas frutas... e soja. Perguntei, "O que é isso ?". Ela disse, "É soja, um tipo de carne". Pensei, "Estranho, nunca vi ninguém comendo isso. Será que o pai dela não tem dinheiro para comprar carne? Tadinhos, eles devem ser pobres." Cheguei a ficar com pena. Conclusão de uma criança somente, mas muito observadora, por sinal. E meus amigos todos comiam carne. Como podia ? Foi quando vi seu pai. Olhei um pouco desconfiada, mas achei-o tão diferente, e bonito. Era maestro. Mas, como a estante, o sofá e a soja, era em tudo diferente dos pais de meus amigos. Ele tinha cabelos compridos. Barba longa. E sua blusa era uma espécie de bata. Achei estranho, mas contive-me, e não fiz perguntas inconvenientes sobre o pai para minha amiga. Por que ele era assim ou assado. Era criança, mas não tapada.
Um dia daqueles, brincávamos, e vi. Ela chegou na janela e disse :
"- Luciana, abre a porta prá mim ?"
Entrou. Os cabelos pretos até a cintura, todo uniforme. E usava as tais batas coloridas, como o pai de minha amiga. Maquiagem alguma no rosto. Cheirava a patchouli. Seus olhos eram vivos, agitados. Falava rápido, e parava. Ouvia, com toda atenção. E sua voz alternava entre uma leveza e o contralto. Levemente rouca. Achei aquela mulher de uma beleza tão simples, ao mesmo tempo exótica, e inexorávelmente marcante. E, a partir desse dia, e sempre quando podia, ficava na janela de minha casa, após a chegada do colégio, para ver ela passar. Aquela janela, aquela hora, tornou-se um ritual na minha vida. Ela vinha com suas calças de boca de sino, a bata colorida, os cabelos pretos soltos até a cintura, e sem maquiagem. O vento, meu amigo, às vezes, ajudava, levantando seu cabelo pelas pontas até o pescoço. Uma visão obrigatória para mim naqueles tempos.
Algum tempo depois, ela desapareceu. Simplesmente sumiu. Fiquei desolada. Triste mesmo. A vida continuou. Inclusive a social, com minha turminha, as brincadeiras, os jogos, e tudo. Quase tinha apagado da memória, quando, por mágica ou sei lá o quê, ela surgiu na televisão de minha casa, como a professora Ana Maria do seriado Vila Sésamo criado por Naum Alves de Souza. Quando olhei, esfreguei os olhos, e custei mesmo acreditar. Como pode, ela há pouco tempo estar aqui, na vila, aqui do lado, e de repente aparecer na tv da sala lá de casa ? Fui saber, algum tempo depois que era Sônia Braga. Desse dia em diante, acompanhei sua trajetória. Existiam momentos que não queria vê-la. Não mesmo. Outros sim. Há pouco tempo, li que se submeteu a uma cirurgia plástica com o Dr. Ivo Pitangy. Sei lá porque, mas não consegui vê-la como está, e sim como era, na época em que usava calças boca de sino.
Vila Sésamo
Armando Bogus (Juca), Aracy Balabanian (Gabriela), Sônia Braga (professora Ana Maria), Manoel Inocêncio (Seu Almeida), Flávio Galvão (Antônio), e os bonecos Garibaldo (Laerte Morrone) e Gugu (Roberto Oresco) criados por Naum Alves de Souza.
E como os aromas transportam, também os sons. Sueli Costa com sua linda canção "Coração Ateu" era tema de uma das personagens da novela "Gabriela, Cravo e Canela" em que ela é a protagonista. Mas deliberadamente, apossei-me da canção para a lembrança da primeira mulher que parei para notar sem saber que "notava" (redundância proposital).
Coração Ateu (Sueli Costa)
"O meu coração ateu quase acreditou
Na sua mão que não passou de um leve adeus
Breve pássaro pousado em minha mão
Bateu asas e voou
Meu coração por certo tempo passeou
Na madrugada procurando um jardim
Flor amarela, flor de uma longa espera
Logo meu coração ateu
Se falo em mim e não em ti
É que nesse momento
Já me despedi
Meu coração ateu
Não chora e não lembra
Parte e vai-se embora."
2 comentários:
Marisa,
Como já disse antes, você tem o dom de escrever bem crônicas e poderia tentar o gênero memorialista. Você é um diamante em processo de lapidação. Não bruto, mas ainda há muito a revelar. Em sua trajetória de vida há de tudo um pouco : o poético conjugado ao musical, a tecnologia a serviço da comunicação.
Você foi bafejada pela sorte mas não custa desejar-lhe 'mazal tov'.
Sua admiradora
Claudia
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